Entre as formações de música de câmara que a música ocidental foi desenvolvendo ao longo dos séculos, o dueto de piano a quatro mãos ocupa um lugar muito particular.
Esta particularidade deve-se a diversos fatores, entre os quais sobressai o fato de dois intérpretes partilharem um só instrumento, o que põe em questão, para além dos problemas de sincronismo e necessidade de escuta ativa também existentes na música de câmara em geral, toda uma relação de proximidade física e de indispensável intimidade que não estão presentes, pelo menos de um modo tão óbvio, em outras formações camerísticas. Se muitas vezes dizemos que num trio ou quarteto é importante que soem como se fossem um só instrumento, neste caso é realmente de um só instrumento que se trata, e então o problema passa a ser soar como se se tratasse apenas de uma pessoa.
Pelo grau de intimidade envolvido, a escolha do parceiro certo torna-se, no caso do dueto de piano a quatro mãos, ainda mais complexa do que em outros casos. O sucesso desta escolha pode conduzir a frutuosos resultados de excelência artística que são, no fundo, uma lição de partilha e trabalho conjunto, nesta comunhão de esforços para num só instrumento recrear toda a riqueza e variedade da música de câmara, mantendo no entanto intacta a intimidade e iluminada solidão da música para piano solo.
Neste contexto, não deixa de ser interessante reparar que muitos duetos de piano foram ou são formados por irmãos, e em alguns casos até mesmo por gêmeos.
Maria João Pires e Ricardo Castro conhecem-se há mais de 14 anos e sempre existiu entre eles um profundo respeito e mútua admiração. A aproximação aos complexos dilemas levantados pela interpretação musical e a atitude mental e emocional com que ambos os artistas abordam os diversos repertórios tem tantos pontos em comum que se poderia falar mais de uma verdadeira e rara semelhança do que de uma complementaridade. Guiados por uma profunda identificação artística e humana, começaram também por fazer programas em que ambos interpretam obras para piano solo, alternando-as com música para dois pianos ou para piano a quatro mãos, buscando sempre na concepção do programa uma forte relação entre as obras. Nas obras a solo que interpretam, não se nota uma grande diferença de concepção ou de estilo, mas sim uma intensa e coerente aproximação. Quando tocaram pela primeira vez a quatro mãos, quase por acaso, confirmou-se que esta era a altura certa para iniciar uma aventura musical que é verdadeiramente o fruto de uma sincera comunhão de ideais artísticos, humanos e espirituais.