Esse fim de ano foi tão intenso que acabei perdendo o prazo para enviar o já tradicional texto que a Revista Concerto sempre me pede para a edição de janeiro. Usarei então este viés das redes sociais para exercer o mesmo papel.
Como 2015 foi particularmente difícil para muitos de nós, e as perspectivas para 2016 ainda não são as melhores, o exercício da memória fica mais complicado. Foram tantos desacertos e as conseqüências tão assustadoras, que ao tentar listar os casos mais graves deixaria certamente algo importante de fora.
Prefiro relembrar aqui o que deu certo, na expectativa de inspirar novas soluções aos problemas que nos esperam.
A primeira coisa que me vem em mente é na verdade uma questão. Procuro algum outro programa que ofereça ou já tenha oferecido a um integrante de uma orquestra jovem a riqueza e a variedade de começar o ano tocando a Sinfonia Fantástica de Berlioz sob a regência de um Maxim Vengerov, que também foi solista do Concerto de Tchaikovsky na ocasião, em seguida representar o Brasil em uma Conferencia Internacional na Guildhall School de Londres, viver em sua própria cidade uma intensa e excepcional experiência musical e humana com a violinista Midori Goto, tocar seis estreias mundiais na abertura de uma bienal de Música Contemporânea no emblemático Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e ainda terminar o ano arrecadando fundos para uma causa nobre, acompanhando Ivete Sangalo com MPB da mais alta qualidade em um estádio de futebol cheio e com transmissão ao vivo para todo o país. Tudo isso sem parar de aprender e ensinar. Ainda não achei outro programa que tenha oferecido o que o NEOJIBA proporcionou, mesmo em um ano de crise, aos integrantes da Orquestra Juvenil da Bahia. Talvez o “El Sistema”? Me ajudem se estiver enganado.
Como o NEOJIBA é muito mais do que uma orquestra jovem de excelência, é importante lembrar algumas das ações que empreendemos em 2015: Começamos o ano com nosso tradicional Seminário Pedagógico capacitando nossos monitores e gestores da Rede de Projetos Orquestrais, abrimos um novo atelier para construção de instrumentos de plástico, ampliamos nossa capacidade de atuação em lutheria tradicional, fomentamos 3 orquestras regionais no interior da Bahia, multiplicamos as ações do “NEOJIBA nos Bairros” e oferecemos a uma nova geração de integrantes apaixonados, os meninos e meninas da OCA, uma turnê orquestral com padrões profissionais em 7 estados do Nordeste! Além disso levamos conhecimento, música orquestral, coral e de câmera (inclusive criando uma nova série chamada “Concertando no SESI”) aos quatro cantos do estado da Bahia, e mantivemos importantes intercâmbios e apoios institucionais. Essas e muitas outras ações estão listadas na página do NEOJIBA, demonstrando que este foi mais um ano de muitas batalhas e vitórias para nosso programa.
Como professor, pianista e maestro, tive o privilégio de iniciar um novo conceito de aulas online, o iClassical, ver o excelente desempenho de alunos talentosos e dedicados, inclusive um premiado em concurso internacional, conhecer trabalhos sérios e inovadores como o da Orquestra Estadual do Espírito Santo, participar de diversas conferências internacionais, voltar a dar mais recitais solo, reger nossa Juvenil da Bahia e realizar concertos maratonas nas melhores instituições musicais do país, como a Filarmônica de Minas e o Teatro Municipal de São Paulo.
Aproveito também dessa restrospectiva para alguns esclarecimentos importantes. Aliás, quem me segue no Facebook já pode ter assistido algum vídeo da série “RC TALKS”. São trechos de conversas e conferencias publicadas na internet, não somente para lembrar o que ando dizendo por aí, mas também para enfatizar que minha língua materna é mesmo a Música! Por isso, quando falo de improviso em público, muitas vezes me expresso de forma incompleta ou confusa. (deveria seguir o exemplo de Ivete Sangalo que decora tudo, até as falas...)
Justamente, soube que em uma dessas minhas falas, de 2014 (!), ficou pendente uma correção, cuja falta provocou alguma discussão no ambiente acadêmico baiano. Foi em Los Angeles, durante a primeira turnê da Orquestra Juvenil da Bahia nos EUA. Estávamos na cidade ao mesmo tempo que a famosa Orquestra Simon Bolívar, e antes do bis, como de praxe, falei para o público (que certamente nunca tinha ouvido falar de orquestras sinfônicas baianas), que nos nossos 500 anos de história ninguém tinha se lembrado de criar uma orquestra juvenil antes dos Venezuelanos terem mostrado o caminho. Um crítico do Los Angeles Times presente no concerto e que se equivocou com algumas informações, como achar que eu estava substituindo outro regente naquele concerto, ao tentar transcrever meu inglês, publicou em um longo artigo o que entendeu, retirando o termo JUVENIL da frase! Imaginem o estrago! Minha intenção não era tirar o crédito de ninguém, mas sim agradecer, como sempre faço e sempre farei, aos valentes pioneiros do El Sistema, por terem aberto as prestigiadas portas no hemisfério norte para as orquestras juvenis da América do Sul. Com a transcrição incompleta, ficou parecendo que eu estaria desconsiderando o importantíssimo legado da EMUS e da OSBA na área orquestral.
Como não era uma entrevista, mas sim uma critica musical (muito justa por sinal), não pensei que alguns leitores baianos levassem o artigo ao pé da letra sem ao menos me pedirem algum esclarecimento, afinal todos na Bahia podem falar comigo com facilidade.
Soube também que mesmo re-incluindo o termo “juvenil” na frase, ainda teriam pessoas que acham minha fala equivocada. Argumentam, se referindo a uma louvável iniciativa da prefeitura de Salvador ao criar a Orquestra da Juventude na periferia da cidade, que na Bahia houve outra orquestra juvenil antes da implantação do NEOJIBA. Foi um programa que durou pouco, mas que deixou marcas positivas. Visitei o projeto em 2005, quando comecei a apoiar financeiramente projetos com crianças na Bahia. Por várias razões que não vêm ao caso esclarecer agora, escolhi na ocasião apoiar o Projeto Axé. Fiquei sabendo também na mesma época, pelo Professor Oscar Dourado, responsável pela ideia e pela implantação, que a Orquestra da Juventude tinha sido inspirada na experiência do mesmo “El Sistema” da Venezuela! Daí minha fala sobre a importância da Venezuela no despertar da arte orquestral para a juventude baiana.
Copio aqui, e traduzo a titulo informativo, o trecho do artigo publicado no Los Angeles Times, sem o termo “juvenil” que o crítico em questão tirou da minha fala:
“But in comments that the Bahia orchestra's music director, Ricardo Castro, made to the audience after the wonderful performances, he said no one had ever had, in the 500-year history of the Bahia region, the idea to start an orchestra until the notion and support came from neighboring Venezuela.”
“Mas em comentários que o diretor musical da Orquestra da Bahia, Ricardo Castro, fez para o público depois das performances maravilhosas, ele disse que ninguém jamais tivera, nos 500 anos de historia da Bahia, a ideia de iniciar uma orquestra (aqui ficou faltando a palavra “juvenil”) até o método e o suporte ter vindo do vizinho Venezuela”
Quem desejar ler a crítica na íntegra, basta buscar no Google por NEOJIBA e Los Angeles Times.
Na esperança de acabar uma vez por todas com qualquer dúvida sobre o assunto, subscrevo o seguinte:
Antes da Venezuela mostrar o exemplo e o caminho, não tenho conhecimento de nenhuma instituição baiana que, nos 500 anos de colonização européia, tenha investido nas capacidades orquestrais de jovens e crianças à altura das enormes habilidades demonstradas por estes desde que ingressaram no programa NEOJIBA em 2007.
Dito isso, agradeço à todas e todos pelo e amor e apoio incondicional que recebi neste ano de 2015 e anuncio um 2016 pleno de momentos de beleza, mas também de desafios importantes, com mais aulas e concertos estimulantes, com ajustes no funcionamento das orquestras principais do NEOJIBA devido à crescente participação de seus integrantes nos cursos superiores de música, com projetos prontos e aprovados para iniciar as obras de requalificação do Parque do Queimado, local de nossa futura sede que terá padrão de construção equivalente ao das melhores instituições musicais do mundo e com importantes ações transversais entre as Secretarias de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, de Cultura e de Educação para que mais crianças e jovens tenham acesso à beleza por meio da prática coletiva da música.
Desejo à todas e todos um ano novo cheio de realizações e convido, mais uma vez, todas e todos a se juntarem a nós!
Somos poucos nesse nosso mundo da educação e da música dita acadêmica e diante das fortes e violentas correntes contrárias, não podemos perder tempo nem energia com desavenças. Quem não entender que pergunte, quem não concordar que provoque o debate, mas antes de tudo PARTICIPE!
"Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"