RICARDO CASTRO – Entrevista para a Revista Bravo – Janeiro 2010

Há quanto tempo existe o NEOJIBA?
O NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia) existe há pouco mais de dois anos. Foi lançado no dia 17 de junho de 2007 e em setembro do mesmo ano iniciamos as atividades do primeiro núcleo no Teatro Castro Alves de Salvador.

Como surgiu a idéia de criá-lo?
Conheci o aclamado “El Sistema” na Venezuela em 2005 em uma das minhas viagens como pianista. Ainda não tinha a repercussão mundial que tem hoje, mas imediatamente senti a força do que estava se passando por lá.  Quando houve uma mudança de gestão na Bahia eu, que já tinha começado a tentar ajudar crianças e jovens carentes na Bahia através de projetos de arte-educação como o excelente Projeto Axé de Salvador ou Conquista Criança em Vitoria da Conquista, saí falando do “El Sistema”. Dizia que a Bahia tinha tudo para começar algo semelhante, que era muito importante iniciar algo semelhante, que nem precisava ser eu o condutor. O atual Secretário Estadual de Cultura, Marcio Meirelles, foi uma das pessoas que ouviram meu discurso e quando assumiu a secretaria me ligou na Suíça me convidando para fazer parte da sua equipe de gestores implantando o sistema em paralelo à gestão da Orquestra Sinfônica da Bahia. Foi importante poder combinar as duas coisas e proporcionar a OSBA a possibilidade de participar de alguma forma do maior programa de musica de concerto do Estado. Mas gosto de ressaltar que não inventei nada: simplesmente montei na Bahia um projeto que deu certo na Venezuela e que tem seguidores em países com grande tradição musical como a Inglaterra, França ou Estados Unidos.

Como ocorreu a implantação do projeto?
Segui os conselhos de José Antonio Abreu, o diretor fundador do FESNOJIV, fazendo uma audição pública para formar a primeira orquestra sinfônica com jovens que já sabiam ler partitura e tocar algum instrumento de orquestra. Em seguida escolhi um grupo de 12 monitores para ir à Venezuela conhecer a metodologia. Para o inicio das atividades em Salvador o Abreu nos enviou um jovem regente que preparou a primeira apresentação em 15 dias. Foi um dois concertos mais emocionantes que a Bahia já viu.

E como é o funcionamento do programa?
Criamos e desenvolvemos o primeiro Núcleo de Gestão e Formação (NGF) que tem a particularidade de ser profissionalizante e forma  monitores multiplicadores. Esses jovens são responsáveis pela expansão do projeto com a abertura em todo o Estado dos Núcleos de Prática Orquestral e Coral (NPO).

E quais os critérios usados para a seleção?
Avaliamos o conhecimento musical, mas também o talento, a força de vontade, a generosidade, a seriedade, o compromisso, ou seja, características acima de tudo humanas, pois consideramos que qualquer criança tem potencial para  tocar em uma orquestra se lhe forem oferecidas condições ideais.

Quais são os objetivos do projeto?
O NEOJIBA visa à formação de crianças e jovens, sem distinção de classe social, em prática orquestral e coral, tendo como meta principal a excelência. Implantamos na Bahia nosso sistema de formação de orquestras e corais infanto-juvenis com base na experiência do FESNOJIV para que a prática de orquestra venha a ser motor fundamental na educação em todo o estado.

De onde vem os recursos para mantê-lo?
O Governo do Estado acaba de assinar em dezembro de 2009 o primeiro Contrato de Gestão na área da cultura com a AOJIN, a primeira Organização Social de Cultura da Bahia. Esse contrato contempla a gestão, manutenção e desenvolvimento do NEOJIBA. Mesmo que os montantes sejam infinitamente inferiores aos investidos em São Paulo na área da educação musical, esse contrato é uma grande vitória para a gestão cultural baiana e para toda a sociedade em geral. Antes do contrato ser assinado o Governo da Bahia manteve parcialmente o projeto, sendo o mais importante a inédita participação da sociedade civil em uma ação de governo, em particular da Fundação Clemente Mariani, que tem sido uma grande parceira do NEOJIBA desde que nos adotou em 2008.

Quantas horas os jovens do NEOJIBA tocam por dia?
Seguimos ao pé da letra “El Sistema”. Por isso nossos integrantes tem aulas, ensaios de naipe ou ensaios de orquestra diariamente das 14h às 18h. Quando temos apresentações essa carga horária pode aumentar. José Antonio Abreu e seus discípulos costumam dizer que o segredo é muito trabalho.

O NEOJIBA é gratuito. É mais voltado a crianças carentes? Tem como objetivo também tirar crianças das ruas?
O objetivo principal do NEOJIBA é a integração social através da prática orquestral.
Pelo perfil de nossa sociedade atingimos majoritariamente a população pobre em termos materiais e com certeza tiramos crianças da rua, mas isso é uma conseqüência do fato de oferecermos a todos, sem distinção, um ensino musical de qualidade comparável ao de grandes centros musicais. Além disso no NGF oferecemos não somente a gratuidade do ensino, como também o transporte, um lanche e uma bolsa. Acolhemos crianças e jovens de todos os segmentos da sociedade que queiram tocar em uma orquestra ou cantar em um coral. O foco é a excelência musical e a integração social se dá por ela.

Quantas crianças e jovens fazem parte do projeto hoje?
Não conseguimos passar de 130 por causa da falta de espaço no Teatro Castro Alves. Mas a partir de março de 2010 teremos como sede central o histórico Teatro ICEIA onde se apresentaram no passado nomes como Walter Gieseking ou Arthur Rubinstein. O teatro passará por uma grande reforma, mas uma primeira fase será executada imediatamente possibilitando acolher as centenas de crianças já pré-inscritas e que esperam com impaciência para entrar no NEOJIBA.

A J2J nasceu do NEOJIBA. Como foi o processo de criação e quantos jovens estão na orquestra hoje?
A J2J foi formada na primeira seleção em 2007. Hoje, conta com uma média de 80 integrantes.

Qual é idade deles?
De 11 a 25 anos.

Só para entender, todos que participam do projeto NEOJIBA tocam na J2J? Como isso funciona?

Não. A J2J é a primeira e a principal orquestra do NEOJIBA, porém não a única. Já temos também a OCA - Orquestra Castro Alves, formada por 50 crianças e jovens de 7 a 18 anos, que estão em constante atividade sob minha supervisão e orientação dos monitores. Manteremos também a OPE - Orquestra Pedagógica Experimental tendo um papel de "porta de entrada" para os novos integrantes.

Você também foi convidado para reger a OSBA. O que veio primeiro: o convite para a OSBA ou a idéia do NEOJIBA?
A idéia do NEOJIBA veio antes como expliquei acima. Ser gestor artístico da OSBA foi uma conseqüência e uma vontade da Secretaria de Cultura de integrar as duas ações.

A J2J já está tendo repercussão fora da Bahia? E do Brasil? Fale um pouco sobre isso.
Em Julho de 2009 estreamos no Festival de Inverno de Campos do Jordão com o público aplaudindo de pé todas as músicas executadas desde o inicio. E olha que tocamos por mais de hora e meia naquele frio que para baiano é siberiano! Depois disso fizemos uma turnê aplaudidíssima no Nordeste.
Temos aproveitado todas as brechas e férias escolares para mostrar nosso trabalho dentro e fora do Estado. Agora em Janeiro a J2J é a orquestra convidada do FEMUSC (Festival de Musica de Santa Catarina), abrindo a série grandes concertos no dia 18 na sede da SCAR de Jaraguá do Sul. Nosso meninos ficarão em seguida durante todo o festival tomando aulas e participando de concertos.
Fora no Brasil ficamos rapidamente conhecidos através do intercâmbio realizado na Costa do Sauipe em julho de 2008 com a YOA Youth Orchestra of the Américas. Em 2009 dois músicos da Juvenil participaram na turnê 2009 da YOA nos EUA. Além disso minha vida de pianista e professor pela mundo afora tem facilitado grandes projetos de cooperação com entidades internacionais. Basta ver no painel de visitas do nosso blog a visibilidade do NEOJIBA em um espaço de tempo curtíssimo.

Os integrantes recebem salário?
Os integrantes das orquestras do NGF recebem uma bolsa, que varia de acordo com a idade, a orquestra em que atua, as responsabilidades e por fim o desempenho. Fazemos audições de avaliação constantemente.

E qual a função da Associação de Amigos da (Osba) (Essa associação existe mas não tem nada a ver com a gente – a do NEOJIBA se chama AOJIN)? Quando ela foi criada?
A Associação Amigos das Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia e do NEOJIBA - AOJIN foi criada em setembro de 2008 para promover, realizar e divulgar atividades de caráter social, educacional e cultural na área da música, tendo por missão promover, incentivar e apoiar a prática orquestral e coral e em particular a implantação, manutenção e desenvolvimento do NEOJIBA em todo o Estado da Bahia. No Conselho de Administração, presidido pelo Ex-Governador da Bahia, Dr. Roberto Figueira Santos, com o Dr Eduardo Mariani Bittencourt na vice-presidência, temos também o Ex-Governador de São Paulo Dr. Paulo Egydio Martins e o Diretor do Jornal A Tarde e Imortal da Academia de Letras da Bahia o Dr. Edivaldo Boaventura.

Você também tem como meta incluir a música orquestral nos currículos escolares. Como pretende fazer isso e o que é preciso para esse projeto ser implantado?
Formaremos mestres de música para a rede estadual de ensino. Provaremos a importância dessa ação pelos resultados obtidos, contando com dois fatores importantes: A nova lei federal que obriga a volta da música às escolas e o entusiasmo de todos que ao conhecer o NEOJIBA querem adotar o método.

O NEOJIBA também pode ser implantado em outros Estados?
Não somente pode como deve. Me perguntam isso com freqüência, talvez por receio que depois da Axé Music a Bahia invada o Brasil com Beethoven... Mas costumo explicar que nosso pais é muito grande para que uma ação como essa possa ser coordenada de maneira centralizada. Acredito no surgimento de outros projetos semelhantes que poderão dialogar e colaborar com o NEOJIBA. Por exemplo, quanto tocamos fora do estado convidamos quem quiser ir a Bahia passar um tempo para aprender com a gente como replicar nossa experiência. Já temos inclusive um musico do estado de Alagoas conosco e receberemos outros em 2010.

Quando você teve certeza de que o NEOJIBA estava dando certo?
Eu nunca tive dúvidas quanto ao sucesso do NEOJIBA. Nem eu nem a metade do planeta musical que tem visitado a Venezuela para entender o que está acontecendo lá. No Brasil, se há competência e seriedade como demonstramos na Bahia, o NEOJIBA pode existir em cada Estado e isso sim transformará nossa sociedade de forma definitiva.

Recentemente, foi criado também a Orquestra Castro Alves. Ela também vai seguir os passos da (Osba)?
Você quis dizer da J2J, não é? A Orquestra Castro Alves é uma das muitas orquestras que formaremos no NEOJIBA. Todas com a mesma meta: A EXCELÊNCIA.

O regente é um jovem de 17 anos, certo? Como foi prepará-lo para essa responsabilidade?
O Yuri é o primeiro de uma linha de jovens regentes na Bahia. Estamos formando este rapaz a ser gestor e guia, como deve ser um regente. Escolas de técnica em regência existem muitas por ai, mas nos aspiramos mais do que isso e o Yuri é o exemplo de que estamos no caminho certo.

Há outros jovens talentos no projeto que merecem destaque? E como aproveitar esses talentos?
Cada integrante do NEOJIBA tem uma história importante no projeto, uma história de vida do antes e do depois. Temos vários casos excepcionais, sendo que os mais talentosos também são os mais generosos, pois aprenderam rapidamente um dos nossos lemas que é: “ensine tudo o que você sabe”.

A Castro Alves surgiu quando?
Quando selecionamos os integrantes da J2J, apareceram crianças super talentosas que não sabiam nem ler partitura nem tocar nenhum instrumento, mas fizeram um teste de percepção superior a alguns que já tocavam. Não resisti e criei o “grupo mirim” que se tornou logo depois “Orquestra Pedagógica Experimental” com a entrada meio que descontrolada de integrantes já mais velhos. Desde novembro passado esse grupo se chama “Orquestra Castro Alves” OCA. Cresceram pela força de vontade, pois, apesar de serem muito bem monitorados, eu nem pude cuidar do assunto direito ainda!

Já está colhendo frutos?
A OCA tem feito várias apresentações públicas em Salvador, além de servir de laboratório para a J2J que na OCA “aprende ensinando”.

Qual é média de idade da Castro Alves?
7 a 18 anos, o que não é o ideal pela mistura de faixa etária. Mas, na J2J nossa primeiro oboé tem apenas 11 anos e já se destaca no grupo. Sabemos que rapidamente teremos grupos com mais homogeneidade na questão da idade também.

Como é ensinar música para crianças? Há diferença no ensino dos mais novos para os mais velhos?
Ensinar musica é uma dádiva quando se tem diante de si uma “esponja” como são chamados nossos meninos pelos professores convidados que vem de fora. Não há diferença nenhuma entre uma criança e um adulto. A idade não é fator determinante ao sucesso do aprendizado, acho eu que em nenhuma área, somente o amor e a dedicação do mestre e do aprendiz que para ser completo tem que se tornar um, o mestre-aprendiz.

Se fala muito em monitores. O que são eles e quais suas responsabilidades além de tocarem na orquestra?

Investir diretamente nos jovens integrantes como multiplicadores da metodologia foi minha decisão mais arriscada e a mais certa.
Mudar a mentalidade dos professores de música existentes na Bahia tomaria tempo demais e por isso escolhi pelo talento, conhecimento, mas também pelo perfil psicológico, um grupo para chefiar os naipes e para a monitoria. Nossa meta a curto termo é que todos os integrantes do NGF sejam também monitores, mestres-aprendizes, inclusive os que estão se capacitando para a arte da luthieria no nosso novíssimo atelier de cordas.

Como foi a primeira vez que a J2J se apresentou, tanto para você como para os jovens?
Quando conheci “El Sistema” ao vivo a primeira coisa que tive que aprender foi a chorar em público diante de crianças que tocam Mahler. Quando a J2J tocou pela primeira vez acho que metade do Teatro Castro Alves, que estava lotado na ocasião, sentiu uma emoção daquelas que vem quando presenciamos um milagre. E nossos meninos são exatamente isso, uma prova viva do milagre da criação.

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