ENTREVISTA RICARDO CASTRO
  1. Você é considerado pelos grandes conhecedores de música clássica como um virtuose. Como aconteceu a inserção do estudo musical na sua infância?

Minha irmã mais velha, Ana Luiza, tomava aulas de piano em casa com nossa tia Vane, e eu sempre escutava essas aulas. O resultado é que em pouco tempo me sentei ao piano por iniciativa própria e comecei a tocar.
Depois disso a musica se tornou a forma mais natural de me expressar.

  1. No seu primeiro concerto, que aconteceu aos 8 anos, você já tinha noção de que realmente desejava ser um músico?

Eu já era musico. O fato de isso se tornar uma profissão foi resultado de muitas outras encruzilhadas que encontrei na vida.

  1. Como foi para uma criança de 10 anos participar de um recital com a renomada orquestra sinfônica da UFBA? Que lembranças você tem deste momento?

Foi antes de tudo muito emocionante. A música era linda e eu logo me identifiquei com o dialogo com outros que usavam a mesma linguagem.

  1. O estudo de música clássica só é possível para as pessoas de classes altas?

 Absolutamente nao. Da mesma forma que aprender a ler e escrever não é privilégio de nenhuma classe social em um país democrático. Quando isso acontece, com a musica ou com a educação em geral, é porque existe uma falha profunda dos governantes.

  1. Você encontrou apoio irrestrito da sua família quando optou pela música?

Sim. Além do apoio tive a sorte de não sofrer interferências no outro sentido também. Não há nada mais chato do que pais de crianças talentosas que os transformam em macacos de circo.

  1. Em quanto tempo um curioso amante da música é capaz de tocar uma composição de Beethoven tendo aulas semanais?

Depende da composição. Beethoven também escreveu peças fáceis de se executar. Mas ainda considero a qualidade do ensino o principal fator determinante.

  1. Para um leigo, qual o instrumento mais difícil de aprender?

Não saberia dizer. Cada um tem suas facilidades e suas dificuldades específicas. O mais difícil estará sempre onde houver erro na escolha do instrumento. Aí entra mais uma vez a qualidade do ensino que também deve servir para direcionar o aluno para o instrumento adequado.

  1. Quantos anos você estudou na Europa?

Fui para a Europa em 1984, onde ainda mantenho uma residência. Quanto ao  estudo em si, continuo até hoje. Já o estudo acadêmico, em um conservatório de musica, foram 3 anos no Conservatório de Genebra, terminados com os diplomas mais altos possíveis.

  1. O que isto agregou ao seu conhecimento?

O estudo sempre agrega em sabedoria quando feito em prol de um conhecimento interno ao mesmo tempo em que se aprende o que vem de fora.
Estudar na Europa possibilita uma profunda reflexão sobre o potencial humano em criar beleza.

  1. Qual a melhor instituição para o ensino da música no Brasil? E na Bahia?

Ainda estamos esperando uma instituição musical de qualidade internacional ser criada no Brasil. Enquanto isso temos vários músicos excepcionais espalhados pelo pais ou no exterior. Ê uma pena que o intercâmbio entre estes não seja incentivado como deveria pelas instituições que temos que funcionam na maior parte do tempo como hospitais que funcionariam para dar emprego aos médicos e não para cuidar de pacientes.

  1. Você ganhou diversos prêmios internacionais. Qual deles mais lhe emocionou?

Nenhum premio me emocionou mais do que certos concertos que realizei. Os prêmios foram necessários para que meu nome fosse respeitado no mundo da musica e logo depois que venci um dos mais importantes, o Leeds na Inglaterra, deixei de participar de concursos de piano. Não é fácil ser musico com um passaporte brasileiro.

  1. Você gravou cinco CDs tocando Chopin. O que mais lhe atrai neste compositor?

Sua delicadeza, sinceridade e refinamento.

  1. Qual o disco que você teve mais prazer em gravar?

“Le Quatuor pour la fin des temps” de Olivier Messiaen.

  1. Qual das cidades em que você já se apresentou o público possui maior conhecimento sobre música clássica?

Não considero que a “percepção justa” da arte esteja ligada aos conhecimentos teóricos de quem a aprecia. Esse pensamento vem provavelmente da colonização e provoca um distanciamento da população com a arte que deveria fazer parte do seu cotidiano ao escolher como por a mesa ou decorar sua casa. O artista está aí para despertar esse senso estético e transformar a vida das pessoas, da mesma forma que a religião age no seu lado espiritual. Mas, para responder sua questão sei que em Viena, Munique ou Amsterdam o público vai aos concertos mais pelo repertório apresentado do que pela efêmera reputação do interprete, pois  depende hoje em dia mais de marketing do que da qualidade.

  1. Como é a sua participação no Projeto Axé?

Acredito muito no trabalho do projeto. Acho até que se o Projeto Axé não existisse, Salvador hoje estaria vivendo um caos absoluto. Faço tudo ao meu alcance para ajudá-los a continuar, pois o caminho deles não tem sido fácil. Passam meses sem receber as verbas prometidas pelos sucessivos governos e prefeituras. Verbas que deveriam chegar adiantadas, pois servem para a execução de políticas públicas com eficiência e qualidade. Parece que na cabeça de alguns funcionários, que tem o poder de decisão e a responsabilidade na supervisão das ações, as crianças ficam em casa vendo televisão e comendo biscoito esperando eles enviarem o dinheiro...

  1. Em 2005 a cantora Daniela Mercury surpreendeu a todos no Carnaval com sua participação no trio elétrico. Qual a sensação daquele momento?

Foi único. Um momento mágico cheio de alegria e boas energias. Me fez reconciliar com o Carnaval.

  1. Como você vê a atual situação das orquestras sinfônicas no Brasil?

Apesar da OSESP ser um exemplo de excelência admirável, ainda não vi ninguém trabalhar pesado para que nossas orquestras sejam preenchidas por brasileiros e seus tão festejados dons e talentos musicais.

  1. Como você recebeu o convite para dirigir a Orquestra Sinfônica do TCA?

O convite veio de Marcio Meirelles ao saber que eu tinha uma proposta inédita inspirada nos 32 anos de experiência da Fundação de Estado para o Sistema de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela – FESNOJIV. O propósito é criar uma Orquestra Sinfônica da Bahia forte e ao mesmo tempo comprometida com a disseminação da prática orquestral como parte integrante da educação de toda a população, sem distinção social.

  1. Você já disse, em outros momentos, que ser um músico é um exercício solitário. Podemos dizer que uma orquestra é a junção da solidão de todos em torno do prazer de tocar?

Disse isso para os pianistas, mais especificamente para alguns que se contentam com a carreira solo, não para os músicos em geral.

  1. Quais os critérios que você utiliza para seleção de música em um concerto?

O tipo de sala, o público, a coerência ao juntar estilos e o prazer.

  1. Você acredita que a sua música possui algum traço regional?

Não

  1. Você gosta de trabalhar obras populares ou prefere as eruditas?

Não separo umas das outras. Gosto de trabalhar obras que acrescentem algo para mim e para os que as ouvem.

  1. Você possui um sonho ainda não realizado como músico?

Ter dezenas de orquestras tocando no estado da Bahia e poder inaugurar pelo menos uma grande sala de concertos em Salvador.

  1. Qual a sua visão sobre a música feita na Bahia atualmente?

O panorama é muito rico e variado. Temos de excelentes compositores eruditos escrevendo para ninguém tocar até tocador de caixa de fósforo gravando com equipamento altamente sofisticado. Tudo é por enquanto uma questão de quantidade por imposição mercadológica. Estamos trabalhando para reverter essa situação e proporcionar a toda população mais in-formação para que desenvolvam um melhor senso critico e tenham parâmetros de qualidade suficientes para escolherem democraticamente o que realmente gostam de criar e sobretudo de ouvir.

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